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sábado, dezembro 02, 2006

Auto-retrato

Eros vesgo, pitosga, de olhos tortos
Apaixonado filho de Afrodite
Verbo cristão que paga copos
Hitler-Ghandi, com tendinite

(Quando a autoridade não é minha:
Anarquista!
Quando a escuridão se adivinha:
Artista!)

Darwin de Deus na evolução
Big Bang microscópico à luz da criação
Átomo de Jesus, molécula de Lúcifer
(vontade de homem, razão de mulher)
Nascido de dois corpos em conspiração

(No espelho do rio da vida reflectido,
Sou Narciso
Demónio encarnado, vingança sem sangue, anjo caído
Mas com siso!)

Sou o sentido paladar
Na ventura, cego e surdo
Sou fruto de um ventre de amar
Caído na terra do absurdo

Feito da matéria do vidro
Enciclopédico, mas impreciso
Sou capítulo, em páginas várias,
Do Grande Tratado do Riso

terça-feira, novembro 28, 2006

Não lamente, minha senhora, não lamente!

Não lamente, minha senhora, não lamente!
E, se lamentar,
Lamente al dente
É que a vida deve ser levada em frente,
Como as frases que lhe remeto
Nesta cantiga contente,
Deve ser da temperatura do Buda
Nem muito fria, nem muito quente
Não lamente, minha senhora, não lamente!

Não lamente, minha senhora, não lamente!
E, se lamentar,
Lamente num repente
É que a vida é p’ra ser levada em frente,
Como as frases que lhe remeto
Nesta cantiga transparente,
Deve ser maior do que esse choro
Pois dela é fruto o acidente
Não lamente, minha senhora, não lamente!

sexta-feira, novembro 24, 2006

O que é o Poema: Possibilidade II


Ataque de querido inimigo,
Infantaria de sílabas ritmadas
Avança ao ritmo do sorriso
Das quadras, baionetas afiadas

Poema que é escrito
Fatal na forma, expedito
Tiro verso que trespassando
É tiro de caneta canhão

(Bombardeia em compasso
Faz da palavra estilhaço
E aloja-se no coração)

É amor armado, e amando,
É poema obus paixão
Chega, à queima-roupa, sussurrando
Que vem de mim o comando
Para te matar à canção

quarta-feira, novembro 22, 2006

O que é o Poema: Possibilidade I

Se o poema for canto
E se for bem escrito
Dá pois graças
A quem to dê, mas dito

E se dito te for dado
Esse canto escrito
Que seja de um teu amado
E o recebas dizendo:
“Não acredito!”

Se esse teu amado
For também teu amante
Deixa que o canto escrito
Por ele dado, dito
Te cative o coração errante

terça-feira, novembro 21, 2006

A Métrica ou A revolta contra o soneto por não ter génio p’ra o escrever!

A metro a ética, incapaz, tétrica
Virtuosa, mas caquéctica
Definição: sem estética!

(Em regrado conjunto
Os versos fazem vénia
Ao comedido assunto)

Perfilados morfemas sem graça
Trinchando fatias de presunto
Fazem poemas sandes de carcaça
No cortejo fúnebre do defunto

Infeliz retrato sem tema
Servil rebanho carrancudo
Lesma! Perdão: lema!
Vindo da voz de quem é mudo

terça-feira, novembro 07, 2006

Ao senhor!

Tome-me! Já que estou preso,
Aqui me tem!
Não sou mais do que toda a gente
Pois sou nascido de uma mãe!

Vá, desafio-o…
Planeie o meu acontecer!
Mas, aviso-o: não me solte!
Porque se há-de arrepender.

Faça de mim o que lhe aprouver
Mas, por favor, esgote-me a força…
… É que, se o meu tempo vier,
Não haverá deus que o oiça.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Tentativa de Soneto: Ousadia!

Haja ousadia de desconfiar da forma!
Porque, e à simples regra do Destino,
Todo o ser humano se conforma
Ao que é torto como um pepino

Seja Causa um amor livre de Efeito!
Porque, e no recto trilho da Moral,
Pobre do Homem, não se sabe direito
Às turras que anda entre o Bem e o Mal

Aja, portanto, o que é natural!
Manda a vontade do inquieto animal.
Com a força do turbulento Querer

A vida, veio de água acidental,
Transbordando as margens do Dever
Implora ao Amor que seja caudal…