Image hosting by Photobucket

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Moda de Sangue...

Quando te prendo
Na cadeia dos abraços
E te torturo
E te sufoco
Entre meus braços
E te fuzilo
Com os olhos do Desejo
Te mordendo
No gosto do meu beijo
Quando te arranho
Te lanho de delicia
Vertendo sangue
Do teu corpo de malícia
Quando te xingo
Com palavras obscenas
Como jurasse
As juras mais serenas
Quando me vingo
Dos males que me fazes
Com frases
De maldade e veneno
Sinto, meu amor
Que o Amor é isso
Dessas coisas
Muito fora do juízo
Sinto, meu amor
Que o Amor é isso
Dessas coisas
Muito fora do juízo…

Interpretado por: Elis Regina
Poema de: Jerónimo Jardim/Ivaldo Roque

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Viva o Mundo!

Rasgar uma folha de papel
E plantar uma árvore
Com os bocadinhos

Deitar fogo a um poço de petróleo
Com a faísca de duas pedras
Ou com o friccionar de dois paus

Tirar fotografias com um telemóvel
Destes de terceira geração
A uma mina de silício

Matar um joalheiro
Com um colar de conchas

Obrigar um porco
A comer um courato
Comer um bife de vaca
Em frente ao vitelo, seu filho

Fardar-me para ir à missa
Pedir salvação e protecção

Levar uma excursão
De cancerosos
A uma mina de urânio

Ir a uma fonte
Engarrafar água
E vender
Apanhar flores
E vender

Levar uma chaminé
Ao colo
Até ao buraco do ozono

Matar a igreja
Com um crucifixo

Viva o Mundo!

segunda-feira, dezembro 06, 2004

As lágrimas...

Temperam-me o insonso rosto
As lágrimas salgadas
E nunca caiem enganadas
Dão-lhe cor, vida e gosto

Acabrunhado de simples expressão
De insonso, digo tristonho
Nem na face se vislumbra sonho
Que me falta brio, e tarda a acção

Sem conhecer disposições
Cara destemperada
(No que o destino deu) à vida errada
Caberão porventura transformações?

Semblante temperado, sorridente
Condimento gota a gota
Nem se safa a alma douta
De ser vitima do contingente

E contingente é a expressão
Que por má fé nasceu do engano
Errar é motor humano
É o reparo da condição!

As pessoas grandes...

“ (…) As pessoas grandes gostam de números. Se lhes falam de um novo amigo, nunca interrogam sobre o essencial. Nunca perguntam: «Como é o tom da sua voz? Que jogos prefere? Será que colecciona borboletas?», mas perguntam: «Quantos anos tem? Quantos irmãos tem? Quanto pesa? Quanto ganha o pai dele?», só então julgam ficar a conhecê-lo. Se disser às pessoas grandes: «Vi uma bela casa de tijolo vermelho, com gerânios nas janelas e pombas no telhado…», não conseguem imaginar uma casa assim. É preciso dizer-lhes: «Vi uma casa de quinze mil contos». Então exclamam: «Que linda!»


“O Principezinho”, Antoine de Saint-Exupéry

sexta-feira, dezembro 03, 2004

De que me serve

De que me serve
Ser virtuoso retórico
E fazer malabarismos com palavras
Se me passam pela vida pessoas
E eu não sei sequer amá-las

De que me serve
Ser ágil demagogo
E montar poderosos discursos
Se queimo com poderoso fogo
Os grandes amores e os seus usos

De que me serve
Ser hábil orador
Ditando frases que belas soam
Se faço pouco de quem me tem amor
Repetindo actos, por mais que doam

De que me serve
Ser então pregador
Se tanto me é fraca a consciência
Se finto sem fim o amor
E não tenho dele a ciência.

Com um café no bucho...

Com um café no bucho
E os azares na algibeira
Era já tempo de ir ao bruxo
E saber de que maneira
Me poderia dar ao luxo
De sair da ratoeira

Vestido a preceito, com efeito
Entre o passo a passo
E o não andar direito
Decidi em contrapasso
Trocar o dito pelo feito
E beber, de vez, um bagaço

Para aquecer, matar bactérias
Que de vícios me fui montando
Não posso da vida tirar férias
Mesmo que nela me vá matando
Olho de soslaio as vis matérias
Que fazem as leis que se vão criando

O mundo já acordou há muito
E a cidade já ensina a esta hora
No autocarro, destino fortuito,
Vemos, sentados, a vida lá fora

Para viver o bilhete é gratuito
A morte oblitera-o com o agora

Desço, esquecido, na próxima paragem
Preparado para tudo o que há-de vir
Já se me emperrava a engrenagem
Parado que estava entre ficar e sair

Mas assim dou por terminada a viagem
Sem medo do que me há-de consumir…

quarta-feira, dezembro 01, 2004

…Qual a misteriosa receita da pergunta…

…Havia pouco tempo tinha-me recostado, exausto, no parapeito do meu ponto de vista, que não é muito alto nem de lá se vê muito, mas serve para me ver a mim. O que sou, o que não sou. Talvez tivesse adormecido, uma vez que estava cansado. Sonâmbulo de mim, ouvia-me a repetir, como se estivesse ao longe, frases de encher ouvido... O Tempo apareceu a dançar, e eu entregue ao meu tempo.
Ele, interrogativo e misterioso como sempre, cantarolava:
- Sou o Tempo que ocupa espaço
E o Espaço leva tempo a percorrer
Que segundos sou?
Em que tempo sou no tempo,
Sou o Tempo.
A pergunta era como um assalto, a resposta fora-me roubada pela força do Tempo, pela sua forma de cantar, pela forma amigável como se entrelaçava no meu corpo:
- A verdade é uma máscara! - Respondi, do parapeito do meu ponto de vista...