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sábado, abril 30, 2005

Eu.

Cá por mim, apetece-me escrever uma biografia.
O Yevthuchenko, escreveu a certa altura a biografia em vida, vivo, vivinho da silva.
Acho bem.
As biografias são mais apreciadas quando escritas em vida.
Sem cagaço do futuro.
Com aprumo, egoísmo, fracassos e acenos ao sucesso que nos vigia.
Por mim, contento-me com isto:
- Um Basset Hound triste e em depressão melancólica, todos os discos do Sinatra, todos os livros do Jorge Luis Borges e do António Lobo Antunes, uma resma de papel não-reciclado, vinte maços de SG Gigante, uma garrafa de Ballantines Finest, a obra política de Burke e Goldwater, uma fotografia da Malú Mader, os artigos de Paulo Francis, Nelson Rodrigues e Manuel Maria Múrias, alguns discos do Paulo de Carvalho, alguns poemas do Ary dos Santos, algumas revistas do Vasco Morgado, os filmes com o António Silva, todos os filmes com o Al Pacino, a artigalhada do Luiz Pacheco, o New York Times, o sol da Patagónia, o sonho de um partido de direita em Portugal, a Julia Roberts, a Natalie Portman, uma caixa de e-mail com 200 megas, um Portugal com pessoas livres.

Sinto-me triste.
Mas sei que posso ter isto tudo.
Mesmo que em sonhos.

Autor: Rui

quinta-feira, abril 28, 2005

Pontos de vista.

Que belos corpos. Repara como estão os dois enredados um no outro em cima da cama. Aquela cama não deve ser nada barata, pinho sempre foi das matérias-primas mais caras, mas gosto muito dos corações talhados por cima, ali, na cabeceira. Mas, agora falando do que interessa, ali há amor. Aqueles dois corpos nus, abraçados um ao outro, protegendo-se mutuamente de pesadelos vindouros, já as pregas que os lençóis fazem me sugerem que ali houve amor daquele a pinga-suor. Não valia a pena terem dado cabo dos lençóis, linho não é coisa que saia barato, demais a mais com aqueles bordados cupidescos, adoro uns bons lençóis de linho, não suporto aquelas manchas de sémen, dão cabo da beleza da cama. Mas em cima da cama dorme o amor, dormem os dois guerreiros, os das guerras corpo a corpo e das batalhas de lábios, ali sim existe amor, faz-se notar pelo cheiro que exalam, suor adocicado pelo carinho, o copo de água em cima da mesinha de cabeceira também não me deixa mentir. Sim, as mesas-de-cabeceira também não são feias, gosto muito de puxadores de latão, há algo naquelas mesinhas que me lembra mobiliário mexicano, talvez seja a cor da cerejeira, que lindas mesas-de-cabeceira. E que amor, que carinho ali está espelhado, quanta ternura naquele afagar, a cara dela toma a forma da placidez quando ele lhe toca e lhe respira para cima, vê como ela dorme descansada sobre o braço dele. Estes tapetes também não me parecem de mau tom, gosto dos castanhos mesclados com os verdes virginais, que lindo tapete, será juta, parece-me juta, como combina bem com o resto da mobília. Como desviar o olhar daqueles dois corpos, estão simplesmente ali, deitados, com o lençol a deitar-se por cima deles como se fosse uma neblina, ali está o amor na sua mais bonita forma, dois corpos que dormem bem juntos um ao outro, que pena isto ser uma loja de mobiliário e aqueles dois serem feitos de fibra de vidro…

Duas coisas.

A primeira, mais parece uma prece.
Não te amo.
A segunda, um socorro sussurrado baixo, do género tem atenção e não te pendures na escada, no varandim, assim não.
Apeteces-me como a brisa da estrada na janela do carro a cento e vinte à hora.
Nada é isto.
A água é fria, a caneta escreve azul e as pessoas olham de esguelha a própria morte.
Não tiro os olhos dos teus azuis.
Ouço um violino e um piano.
Embarco em mais uma bebida.
Desço a rua.
A desgraça não é eu saber isto, é eu não conseguir escapar.
A isto.

Autor: Rui

Mal fadado.

Avanço sem receio para aquilo que entendo serem as minhas núpcias finais.
O corpo dela, enlevado, relevo e sânscrito, segredo e puzzle, indochina e qualquer coisa assim.
Quando lhe digo que não tenho um metro e oitenta nem olhos verdes nem voz de cinema, pressinto que evita o descoroar da chama que não quer chorar.
A minha experiência parva nestas coisas cala-lhe o grito.
Aperto-lhe o pescoço.
Alvitro a lotaria, onze dois quarenta e nove.
Sei que são onze e vinte e três pelo relógio que se encontra desperto na cozinha.
Beijo-lhe os seios e estendo-lhe as minhas mãos nas nádegas.
A vida é estupidamente feliz nestes pequenos momentos de alta importância.
Leio no jornal que dois países, antes em guerra, assinaram a paz.
Que se foda a paz.
Prefiro os teus beijos.

Autor: Rui

terça-feira, abril 26, 2005

Das correntes de ar.

Quando ela se lembrou que tínhamos ficado naquele meio-termo, tipo vela que teima em não se apagar ao primeiro sopro lançado, fiz saber que não gostava das tardes assim soltas.
O sol, maroto e medroso-mandrião, entrava com cuidados de vergonha pela janela.
O tapete, com franjas retorcidas, tinha já as marcas da humidade.
E eu, que fico sempre mal nestes retratos, deliciava-me em topar-lhe a semi-nudez preenchida pela minha camisa XL.
Lembrei-me que as histórias de amor são momentos tirados de dentro de segundos, e fui fechar a janela.
Não suporto correntes de ar.
Constipo-me com facilidade quando faço amor.

Autor: Rui

sábado, abril 23, 2005

PornografiKa.

Bem sei que é difícil escrever coisas agradáveis com intuito porno-erótico.
Em Portugal, tirando António Gancho, em especial "as dioptrias de Elisa", se a memória não me falha, e certas coisas do mestre Luiz Pacheco e outras tantas descrições assim a dar para o rebuscado do Esteves Cardoso, mas confesso, em género menor e abardinado, a prosa nacional não consegue ter um Bukowski de jeito, que lhe dê fino e grosso na arte.
Fino na dita escriba, grosso no dito cujo.
Garanto-vos, aos poucos que me devem ter paciência de ler, que ambicionei contar uma aventura erótica recente.
E que gostaria de contar pormenores sórdidos, húmidos e com gestos e contra-gestos, movimentos e paragens efectuados.
Mas depois, como a grande maioria vi-me reduzido a duas opções:
- Ou colocar a carne toda no assadouro tirando o pouco gozo estético eventualmente existente;
- ou, como homem que se preze, descarregar em meia-dúzia de linhas, séculos e séculos de imaginação pueril desfeita pela curta concretização.
Bem vistas as coisas, sempre temos dentro de nós um potencial argumentista de filmes pornográficos.
Que raios.
Assim como assim, guardo para mim a aventura.
Nada pode ser tão mau como a memória.

Autor: Rui

terça-feira, abril 19, 2005

El gran finale

O fim? silencioso, grandioso e ridículo. Qualquer outra coisa, como diria o outro, "me mata". Um adeus português? Parvoíces. Não há nada que nos desespere que tenha nome de pátria. Parvoíces, de novo, digo eu. Prefiro o teu aceno com pouco barulhar e um livro perdido na cabeceira. De resto, apenas a dignidade perdida e esconsa de um banco de jardim. Deveríamos todos sentir isso, para morrermos um pouco melhor.

Autor: Rui

domingo, abril 17, 2005

Oráculo.

Quando ontem escorreguei e abri sem querer - como quase tudo que faço - a tampa do lixo descobri parte da explicação para isto tudo. Surpreendido mas não muito, abanei a mioleira em franco desacordo e sorri. O dia estava soalheiro e eu indisponível para atender as chamadas. Ele às vezes acontece isto.

Autor: Rui

quinta-feira, abril 14, 2005

Do dia perfeito.

Quando nada acontece de especial nas nossas vidas, temos uma tendência - generalista, diga-se - para evidenciar remorsos e ganhar consciência do nosso eminente vazio. Acrescente-se a natural propensão que o portuga tem para o suicídio, para ser larápio mesmo que não queira, e valdevino de garganta. Não me espantam os anúncios de companhias de seguros e de bancos a apelarem à nossa felicidade. Acho aliás mais que bem. Muito mais que bem.
Já que nada fazemos para saírmos do esgotozinho em que nos afundamos ao sabor do contra-relógio diário, ao menos que seja o capital a permitir-nos sonhar com divídas e existências extraordinárias. Conseguir um créditozinho é abanar o pirata oitocentista que nos habita, é espantar o Alves dos Reis que não nos larga, é exorcizar o forreta que por vezes temos cá escondido. Acabei de passar um sinal vermelho e quase que atropelei um peão na passadeira.
Quem me dera que a vidita fosse apenas isto...
Lambuzo um cigarro e olho para o lado.
Os olhos verdes que daí saem parecem mesmo a capa de uma revista de moda.
Raios partam, a publicidade subliminar anda-me a dar a volta ao miolo.

Autor: Rui

quarta-feira, abril 13, 2005

Qualquer coisa muito importante.

Então atentem nisto.
Ela chegou e disparou:
- Encontraste o que querias?
Respondi sem hesitar:
- Agora mesmo.

Autor: Rui

terça-feira, abril 12, 2005

Dos super-heróis.

No meu tempo - pouco depois dos animais deixarem de falar - havia super-heróis à séria. Dignos desse nome. Super-heróis. Apesar das fatiotas chegadas ao lombo - mas ninguém os assessorava na imagem, compreende-se... - impunham temor e tremuras. Lembro-me de escondido por trás de manuais escolares torcer por eles enquanto que num abrir e fechar de olhos salvavam Gotham City, Nova Iorque, e eu ansiava por eles em Lisboa, mais especificamente no bairro das Pedralvas, aqui para os lados de Benfica. Super-herói que se preze não tem fronteiras nem barreiras. São homens - super-heróis, claro está - do mundo. Por mim, que ando saudoso de muita coisa, e choroso por outras tantas, faz-me certa espécie encontrar por aí alguns supers escondidos e explorados, que por meio copo de tinto, relembram orgulhos passados, e dizem-se capazes de dar cabo deste e do outro mundo. Está visto que em Portugal, não temos grande sorte nestas andanças, mas o céu escuro e a vilania nos olhares, anda a toldar a coragem. Cada vez mais andamos a atinar menos com a coisa, com o importante, com o transcendente, como dizem os intelectuais da esquina. Vai não vai fugimos para o colo materno, e perguntamos-lhe se ainda existem super-heróis. Por mim, espero que sim. Preciso mesmo de pensar que tenho razão ainda em alguma coisa.

Autor: Rui

Acordar depois de ti...

O corpo acordou e sentou-se na cama.
Nas trémulas mãos já se anunciava o pranto.
Estavam elas postadas por sobre um colo, que já não era daquele corpo.
Quantas vezes precisamos de nos separar de nós próprios, para compreendermos o que sentimos.
Naquela manhã o café já não sabia a carinho, na torrada, desenhava a manteiga, um adeus.
Os olhos começaram a chorar, puseram-se eles a ver outras imagens, outro rumo.
No mesmo momento estava o corpo a precisar de aprumo.
Tudo isto corria na cabeça daquele corpo, cujo pranto lhe era estranho.
Ao mesmo tempo, as mãos eram estranhas àquele colo.
Apenas as pernas se levantaram e começaram a andar, o tronco ficou no mesmo sítio e as mãos, deitadas agora em cima da cama, ficaram a chorar.
As pernas que se tinham levantado estavam a tratar da higiene diária, precisavam de ir trabalhar.
O tronco deitou-se para trás, o prato com a torrada ficou no mesmo sítio, em cima da mesa-de-cabeceira.
A cabeça caiu por cima da cama e rolou até ao chão, as pernas voltaram e vestiram as calças.
Agora, nem cabeça, nem tronco, nem pernas, estava cada um por si.
As mãos, essas, estavam agora a arranhar o tecido da colcha, quanto sofrimento naquelas mãos.
O tronco estava descontraidíssimo, muito bem deitado por cima de mais um assunto por resolver.
A cabeça estava agora ao pé do sítio dos sapatos.
Nas pernas a pressa, no tronco a descontracção, na cabeça o novelo de imagens a desenrolar, nos olhos as lágrimas, ainda.
As mãos, coitadas, estavam agora a procurar sentir o tecido, sem o arranhar.
As pernas sentaram-se em cima da cama no lado oposto ao tronco e as mãos foram ter com elas.
A cabeça tentou olhar para cima, rolou mais um pouco e finalmente conseguiu.
O tronco espreguiçou-se.
As mãos encontraram as pernas, estas já tinham as calças vestidas.
O tronco volveu-se num instante e estava de novo em cima das pernas, encaixando perfeitamente.
As mãos uniram-se aos punhos.
Num instante procuraram a cabeça e colocaram-na no sítio perfeito, isto é, em cima do pescoço
– pelo menos para alguns.
Uma cambalhota para trás, por cima da cama, e estava de novo o corpo junto à mesa-de-cabeceira onde permaneceram o café e a torrada.
Os olhos estavam secos, as mãos tinham também parado de chorar, a boca mordiscou a torrada e sentiu o sabor desse adeus desenhado pela manteiga, o café bebeu-se de um trago só.
O corpo acordou e assim começou mais um dia, como muitos outros que viriam e como tantos que já passaram,
com o mesmo acordar.

segunda-feira, abril 11, 2005

Já foi o tempo.

De repente viu-se nua. Quando ela a olhou a pele dela despedaçou-se e as sobrancelhas voltaram a fazer aquele arco que denuncia o coração cativo. Por sorte, havendo um espelho ali perto, a rapariga mirou o seu reflexo e logo se recompôs. As sobrancelhas logo se redesenharam, os olhos, esvaziou-os, como dois berlindes, agora só reflectiam o que ele queria ver. Na verdade, o que ele via era o reflexo dos seus próprios olhos, preferiu acreditar nisso mesmo, encostou-se à ilusão e passou a julgar no seu íntimo que ela ainda o amava. “Passou muito tempo sobre isso, muito tempo mesmo…”, dizia-lhe a consciência, num sussurro que ia e vinha. Ele, falando alto para se convencer, e para que o mundo o ouvisse, dizia, “Está tudo bem, já foi o tempo, já passou muito tempo sobre isso, muito tempo mesmo…”. Chegou à conclusão que era o corpo que não o deixava esquecer, ele classificou isso de desejo e arrumou tudo na pasta do esquecimento – que é feita do mesmo material que a pasta dos raciocínios.

domingo, abril 10, 2005

...

No espelho dos teus olhos vi os meus. Embora te pareça que não, sim. A memória de ti é uma facada, os teus braços estão demasiado longe. Se te choro, não me perdoas. Se te quero abraçar, voas. Cruzo os braços por cima da cabeça, recosto-me na cadeira, julgando-me já capaz de acender uma nova fogueira. De qualquer maneira estás tão perto quanto longe, porque estás – como diz o Sinatra – debaixo da minha pele. Ainda não fiz a purga. Se queres que te diga, nem sei para quem falo. Sinceramente, desejava que os teus sentidos passassem por aqui perto, mesmo que não se dessem a notar. Mesmo não sabendo que me estavas a ler, era um facto, estavas. Vou deixar as minhas palavras sem abrigo, pode ser que te encontrem nas ruas por onde, agora, andas…

Alvísseras.

É que a modos que me sinto sozinho. Já não me bastava o corrupio dos nossos dias, os esgares dos transeuntes que entretidos perdem a vida a cumprir horários, a necessidade de ouvir as notícias para estar a par do fim do mundo, a ambição desmedida que se reflecte em nos espreguiçarmos em cima de listas telefónicas para alcançarmos o tecto do mundo, e agora, para mal dos meus pecadilhos todos, dão-me ares de que estou para aqui em solitária e cibernauta reclusão.
Cadê a malta?
Que apareçam, que escrevam, que digam e barafustem, que comentem, que postem.
Como diria o outro:
Raios partam, que Vivam...!

Autor: Rui

sábado, abril 09, 2005

O que não se sabe.

Não sei quem foi o último a sair, não sei o que me espera na dor que não quero saber sofrer, não sei da missa a metade, não sei se vale a pena, não sei porque tenho medo de arrumar aquele Joyce na estante, não sei para onde fica Meca, não sei ver as horas em relógios brancos sem ponteiros, não sei se prefiro azul ou o Verão, não sei assustar-me sem medo, não sei se te quero, não sei se as meias combinam, e não sei entre o nada e o tudo o que escolher, juro-te que não sei, sabes?

Autor: Rui

sexta-feira, abril 08, 2005

Anti-pirético.

Foi. A tua palavra. O decote. O frigorífico e o pasquim em igual. A procura e a minha timidez. O horóscopo. Leão? Sagitário? Gira-discos à antiga com qualquer coisa que incomoda a importância dos ouvidos. Sei que entre nós o atlântico e a noite. Sais. O decote mais escancarado do que há minutos. Faço contas de cabeça. Não sei o que me dizem os anéis de Saturno de tão importante que mereçam o telejornal das oito. Por mim, do gelo, sai a transcendência. Não há nada que um soluço ou um frame atrasado não curem. Nada.

Autir: Rui

quinta-feira, abril 07, 2005

Dos respeitos.

Façam de conta que nada se passou. Ela sabe das minhas preocupações, e por menos do que isto, já fez demolições ao Carmo e à Trindade. Com o jornal aberto escancarado na necrologia, o dia começa sempre bem. Entes queridos agradecem participações em eventos com cheiro a flores de quinze dias. A mim, fazem-me nostalgia os teus olhos castanhos e a minha mão a passear-te nas montanhas que libertam pele. A água anda doce aos desejos, e assim como quem não quer a coisa, a mesa está posta. Pão e vinho, fazem felicidades aos antigos. Da parede, desta parede a que todos dizem estar na mesma faz muito tempo, parecem sair fumos esbranquiçados de vinte anos com máscaras gregas de tragédia em relevo. Não me apatece sair hoje à noite. Não me quero importar com as perguntas que fazes. Não quero sequer pensar que ainda te amo.

Autor: Rui

quarta-feira, abril 06, 2005

Suicídio alternativo

Ele há coisas que nem valem a pena fazermo-nos ouvidos. Ou seja, quando menos esperamos há qualquer coisa do género “vou fazer as malas” ou mesmo “não te preocupes, que o que não se resolve, resolvido está”. Cá por mim, apesar de saber que desta altura não me restam grandes hipóteses, e da multidão lá em baixo aplaudir e assobiar histriónica “salta! salta!”, dizia, cá por mim, fecho os olhos, passo a língua pelos lábios secos, lembro-me que deixei a torneira aberta na cozinha, e avanço. Os parvos recebem-me assustados.

Autor: Rui

terça-feira, abril 05, 2005

Da insensatez

Quando os dias se põem assim, sua excelência dá-se ares e entra pelos salões como pavão que mordisca o desejo por dá cá esta palha. Confesso-vos que não lhe via assim a garimpa fazia mais de quinze dias, se a memória não me atraiçoa. Da última vez, ou seja da vez antes desta, foi o duque de espadas que atravessou com a chaleira a ferver o hall, levando sua excelência a ordenar paragens de galés e até das mais diversas alergias que atacam nesta época os narizes de súbditos descuidados.
Os olhares entretiveram-se no adivinhar da razão da ventura graça que originaria tal confusão sem remédio.
Lembro-me de alguém perguntar se sua excelência desejaria chá.
Aproveitei a deixa e enterrei-me debaixo dos teus pés.

Autor: Rui

Somos três

Somos três
E mesmo não sendo doutores
Em curtas palavras
Palramos amores
Balbuciamos alma
Dizemos trinta por uma linha
Em ética e técnica
Mui pouco fina
Mas cadente
Indecente, fluente
Para terminar em quente
Porque sentimos

E se não damos notícia
Do espírito
Não nos faltam palavras
Para servir aos sentidos
Como aos maiores credos

Somos servos da lupa
Que ultrapassa o medo
A coragem e a culpa
Trocando reflexões
E em cada texto ou poema
Em cada tema
Levantamos os nossos quinhões
Do que fervilha cá dentro
À espera de ser dito

Somos Três
Escrevamos pois
Sendo magos
Reis das palavras
Sorvendo a vida
Em literários tragos

Ao Motta, ao Rui e a mim…

segunda-feira, abril 04, 2005

Inquilino mais ou menos misterioso

Não sei se me apetece de facto escrever o que sinto.
Talvez hoje não.
O Marco, fez-se gratidão e convidou-me para escrevinhar nesta casa da qual serei apenas inquilino.
Como bom convidado, tentarei limpar os pés, não colocar os cotovelos em cima da mesa, e apresentar-me a horas decentes.
Quanto ao resto, e se me perdoarem a franqueza, vou olhar para o céu, comer uma bola de Berlim, esperar que Lisboa se desfaça por dentro e pressentir o ruído dos passos que me fazem sorrir no soalho de madeira.
Ele há coisas que nos matam de preguiça, e eu pelo sim pelo não, escapo-me das tendências de acabar prisioneiro de uma máquina a fazer-me respirar sem eu, raios me partam o costumeiro egoísmo, assim o entender.
E já agora, afasta essa lágrima parva, e vê se fechas as cortinas.
Quando se faz amor, não se deve escrever o que se sente.

Autor: Rui

sábado, abril 02, 2005

Amparo-me...

Há fogo, afagas-me, afogo-me
Em doces dedos, unhas que cortam
Em subtis medos, palavras que sufocam

Ardes, ardo, ar de
Ar de marialva, corpo gingão
Em que gestos me escondo
Escondendo o meu coração

Aperto, estás perto, estou perto
E reduzo-me ao pensar
Para provar-te que acerto (o passo!)

Contente, contento-me, com tento
Calcorreio ruas, calçadas novas
E então o passo fica lento

Paro, reparo, amparo-me
Numa ombreira de fria pedra
Exausto, ex auto, recosto-me

Repenso, estendo-me, por extenso
Nessa ombreira de róseo mármore
Retiro-me do mundo e encontro o senso

Retorno, reencontro-me, recomeço
O passo e o mundo, tudo mais denso
Depois de perdido em ti
A mim regresso…