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segunda-feira, junho 26, 2006

Diário de uma mulher

Emudeço quando chegas a casa, só consigo dizer-te, “Então!”, e dar-te um chocho. Não me perguntes por quê. A casa, os miúdos, as vizinhas, o trabalho, não sei, simplesmente, não sei. Odeio-te quando chegas à noite vestindo o teu carácter, amo-te quando te apartas de manhã e me deixas lançada à vida de mais um dia. Tu queres ser mais forte que eu e queres fazer tudo melhor, e, de forma quase imperceptível, metes-te em competição comigo no que toca a fazer vida. Enfado. Queres ser sempre o melhor (eu sempre fui o teu capacho) porque te sentes nulo ao pé dos teus supostos iguais. No trabalho, no teu círculo de amizades tolhidas por competições mesquinhas, em toda a tua vida, sempre te sentiste menosprezado. Olha para ti, vingativo. E vingas-te em quem? No corpo que desfloraste, no corpo que é todo teu, no corpo que sou eu e que tu te esqueceste de quem era. Não sou mais fardo que o teu carácter. Dantes, amava-te sempre. Não que agora não te ame, mas é diferente. Dantes eras sempre novidade, mesmo que te ficasse a olhar três horas a fio, eras sempre novidade, e eu amava-te assim. Nos dias que correm, e que morrem, só és egoísta porque queres sê-lo, só vens cansado porque te cansas de ti, porque julgas que nada tenho para te dar, pior, julgas-te preso. Odeio-te porque tu julgas que sou o adversário, e porque, por isso, me suplantas a cada instante, debitando latinices e verborreias sobre ti e o teu sucesso. Amo-te. Quando te vais de manhã, sinto saudades e apetece-me dizer-te algumas vezes para ficares comigo. Só mais cinco minutos. Hoje, sinto o que tu sentes, sinto que o hábito dorme entre nós. Tentei avisar-te esboçando um poema nas tuas costas despidas do lençol do nosso amor. Beijei-te o ouvido, e sussurrei as minhas lágrimas. Já estavas a dormir… acorda-me de manhã e diz-me, “Até logo!”.

sexta-feira, junho 16, 2006

Diário de um marido

Mais uma noite e o vazio de não te ter dito até amanhã, de não ter escrito nada na história deste teu dia. Sei que às vezes me faço de egoísta, mas é para que me trates como uma criança, aquilo que sou, aos teus meus olhos. Sempre percebeste mais da vida do que eu. O leite que eu quero já é mais do que o do sustento, o regaço que quero já é mais do que aquele que me escondia da inquietação. Já não me chega o teu chocho, e o teu “Então!”, o exclamativo desprezo com que me recebes em casa enquanto arrumas o nosso “ninho”. Sei que estás cansada de trabalhar. Sei que os dias não estão para menos, que nos escorre o pão do rosto, feito suor. Mas, por que não me dizes tudo e me recebes ainda, com esse teu jeito de sorrir todo o ódio que me tens. Tu não me tens ódio, tu não me tens nada. Não te digo até amanhã, viro-me de costas na cama de um casal qualquer que ficou perdido no nosso imaginário, deito-me para o lado que me convém. Sou egoísta. Escrevo a minha história. Neste pequeno gesto, o de me virar para o meu lado, o lado que me convém, adormeço a pensar que o hábito pintou os nossos rostos nos mesmos tons lívidos que usa para se pintar a si mesmo. És feita da minha carne, murmuro… o hábito pintou-nos da mesma cor. Enquanto o corpo mergulha no sono, sinto ainda que escreves com o teu dedo, nas minhas costas, algo que tu queres acreditar que é verdade, mas que para mim não faz sentido, a idade já não me permite a sensibilidade de outrora. Até amanhã, dizes tu, e, curvando o corpo sobre o meu, beijas-me o ouvido. Ainda te oiço fungar, antes de adormecer de vez…

quinta-feira, junho 01, 2006

...

(Fugindo)

Com os pés pelas mãos corre
Nas mãos que não são suas
Se esgota no tempo das ruas
Nas linhas de um destino esboço

…Acaso carrasco faz o laço
Da pesada corda atada ao pescoço…

Com os pés pelas mãos corre
Com uma cabeça debaixo do braço
(Que não é sua)
Decepado está, do juízo
Que se fez maduro (a olhar a lua)

(Perguntaram-lhe naquela pequena sala)

- Está decidido, ou ainda indeciso?
É de uma grande falta de siso
Julgar que a vida é sua!