De Quem a Alguém
De repente, num instante que não conhece dimensão, Quem sai de trás do biombo para de novo se esconder. Quem não se quer mostrar e, se se mostra, é para que se saiba que é intocável.
Continuo deitado no canto desse quarto escuro, onde o entrevistei nesse instante que não conhece dimensão. Apenas olhei, Alguém olhou, vi Alguém que é ninguém por opção.
Alguém é alguém com passado, com futuro, é alguém próximo, afastado, ninguém sabe, nem eu sei. O momento da chegada foi o mesmo momento da partida. Eu continuo deitado no canto à espera de uma hora mais feliz, onde possa falar com Alguém sem receio de mim mesmo e do que sinto.
Durante o sono solto algumas frases, como incontinentes pedaços de coisas bonitas que já li. Recrio prosas, reinvento ideias, rumino poesias, só para que Alguém me sinta e desista de ser ninguém. Aninhado no canto, num letargo de prazer acre, entoo doces melodias de voz quente. Enlevo Alguém nas odes escritas em cima de um joelho doente que teima em não melhorar. “Tenho de me levantar e ir embora, já é tempo”, penso.
Por que motivo permaneço aqui, Alguém não me quer encontrar como eu a Alguém. A morte pode de facto surpreender-nos e não somos obrigados a morrer por isso.
Alguém está atrás do biombo, de novo, debate-se com a indiferença que sente. No meio dos poemas que ruminei e das prosas dedicadas a Alguém solto um adeus e abandono o quarto. Alguém não quer ouvir o adeus; mas… Alguém é alguém e eu, perdoem-me… sou só mais um homem.