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sexta-feira, junho 16, 2006

Diário de um marido

Mais uma noite e o vazio de não te ter dito até amanhã, de não ter escrito nada na história deste teu dia. Sei que às vezes me faço de egoísta, mas é para que me trates como uma criança, aquilo que sou, aos teus meus olhos. Sempre percebeste mais da vida do que eu. O leite que eu quero já é mais do que o do sustento, o regaço que quero já é mais do que aquele que me escondia da inquietação. Já não me chega o teu chocho, e o teu “Então!”, o exclamativo desprezo com que me recebes em casa enquanto arrumas o nosso “ninho”. Sei que estás cansada de trabalhar. Sei que os dias não estão para menos, que nos escorre o pão do rosto, feito suor. Mas, por que não me dizes tudo e me recebes ainda, com esse teu jeito de sorrir todo o ódio que me tens. Tu não me tens ódio, tu não me tens nada. Não te digo até amanhã, viro-me de costas na cama de um casal qualquer que ficou perdido no nosso imaginário, deito-me para o lado que me convém. Sou egoísta. Escrevo a minha história. Neste pequeno gesto, o de me virar para o meu lado, o lado que me convém, adormeço a pensar que o hábito pintou os nossos rostos nos mesmos tons lívidos que usa para se pintar a si mesmo. És feita da minha carne, murmuro… o hábito pintou-nos da mesma cor. Enquanto o corpo mergulha no sono, sinto ainda que escreves com o teu dedo, nas minhas costas, algo que tu queres acreditar que é verdade, mas que para mim não faz sentido, a idade já não me permite a sensibilidade de outrora. Até amanhã, dizes tu, e, curvando o corpo sobre o meu, beijas-me o ouvido. Ainda te oiço fungar, antes de adormecer de vez…

$BlogItemCommentCount$>Inventaram o Amor:

At 2:55 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Este texto recorda:

Ele vinte anos, e ela dezoito
e há cinco dias sem trocarem palavra
lembrando as zangas que um só beijo curava
e esta história começa no instante
em que o homem empurra a porta pesada
e entra no quarto onde a mulher está deitada
a dormir de um sono ligeiro

E no quarto, às cegas,
o escuro abraça-o como que a um companheiro
que se conhece pelo tocar e pelo cheiro
e é o ruído que o chão faz que lhe traz
o gosto ao quarto depois de uma ruptura
faz-lhe sentir que entre os dois algo ainda dura
dos dias em que um beijo bastava

E agora, da cama
vem uma voz que diz sussurrando: És tu?
e a luz acende-se sobre um braço nu
e a mulher pergunta: a que vens agora?
é que não sei se reparaste na hora
deixa dormir quem quer dormir, vai-te embora
amanhã tenho de ir trabalhar.

Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E o homem, de pé
Parece um rapazinho a ver se compreende
e grita e diz que ele também não se vende
que quer a paz mas de outra maneira
e nem que essa noite fosse a derradeira
veio afirmar quer ela queira ou não queira
que os dois ainda têm muito a aprender

Se temos...! Diz ela
mas o problema não é só de aprender
é saber a partir daí que fazer
e o homem diz: que queres que responda?
Não estamos no mesmo comprimento de onda...
Tu a mandares-me esse sorriso à Gioconda
e eu com ar de filme americano

Somos tão novos, diz o homem
e agora é a vez de a mulher se impacientar
essa frase já começa a tresandar
é que não é só uma questão de idade
o amor não é o bilhete de identidade
é eu ou tu, seja quem for, ter vontade
de mudar e deixar mudar

Não fales, que o bebé ainda acorda
não grites, que o vizinho ainda acorda
e não me olhes, que o amor ainda acorda
deixa-o dormir o nosso amor, um bocadinho mais
deixa-o dormir, que viveu dias tão brutais

E assim se ouviu
pela noite fora os dois amantes falar
e o que não vi só tive de imaginar
é preciso explicar que sou o vizinho
e à noite vivo neste quarto sozinho
corpo cansado e cabeça em desalinho
e o prédio inteiro nos meus ouvidos

Veio a manhã e diziam
telefona ao teu patrão, diz que hoje não vais
que viveste uns dias assim tão brutais
e que precisas de convalescença
sei lá, inventa qualquer coisa, uma doença
mete um atestado ou pede licença
sem prazo nem vencimento, se preciso for
(espero que não seja preciso, porque não
sei como é que eles vão viver sem os
dois salários...)

Vá fala que o bebé está acordado
e vizinho deve estar já acordado
e o amor, pronto, também está acordado
mas tem cuidado, trata-o bem
muito bem, de mansinho
que ainda agora vai pisar outro caminho.

Sérgio Godinho - 2.º andar direito

 
At 1:17 da manhã, Blogger Marcaquinho do Chinês said...

muito bem recordado, e muito obrigado por mo recordares, já não oiço o "2º andar direito" há muito! bem, e se já faz lembrar algo tão bom, é porque estou no bom caminho! eheheheh. Obrigado!

 
At 1:50 da tarde, Blogger Leididi said...

Xiça, que o menino escreve bem que se farta...

 
At 1:39 da tarde, Blogger Marcaquinho do Chinês said...

muito obrigadinho, d. Leididi, espero que volte! isto faz bem ao ego que se farta!

 

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