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terça-feira, abril 12, 2005

Acordar depois de ti...

O corpo acordou e sentou-se na cama.
Nas trémulas mãos já se anunciava o pranto.
Estavam elas postadas por sobre um colo, que já não era daquele corpo.
Quantas vezes precisamos de nos separar de nós próprios, para compreendermos o que sentimos.
Naquela manhã o café já não sabia a carinho, na torrada, desenhava a manteiga, um adeus.
Os olhos começaram a chorar, puseram-se eles a ver outras imagens, outro rumo.
No mesmo momento estava o corpo a precisar de aprumo.
Tudo isto corria na cabeça daquele corpo, cujo pranto lhe era estranho.
Ao mesmo tempo, as mãos eram estranhas àquele colo.
Apenas as pernas se levantaram e começaram a andar, o tronco ficou no mesmo sítio e as mãos, deitadas agora em cima da cama, ficaram a chorar.
As pernas que se tinham levantado estavam a tratar da higiene diária, precisavam de ir trabalhar.
O tronco deitou-se para trás, o prato com a torrada ficou no mesmo sítio, em cima da mesa-de-cabeceira.
A cabeça caiu por cima da cama e rolou até ao chão, as pernas voltaram e vestiram as calças.
Agora, nem cabeça, nem tronco, nem pernas, estava cada um por si.
As mãos, essas, estavam agora a arranhar o tecido da colcha, quanto sofrimento naquelas mãos.
O tronco estava descontraidíssimo, muito bem deitado por cima de mais um assunto por resolver.
A cabeça estava agora ao pé do sítio dos sapatos.
Nas pernas a pressa, no tronco a descontracção, na cabeça o novelo de imagens a desenrolar, nos olhos as lágrimas, ainda.
As mãos, coitadas, estavam agora a procurar sentir o tecido, sem o arranhar.
As pernas sentaram-se em cima da cama no lado oposto ao tronco e as mãos foram ter com elas.
A cabeça tentou olhar para cima, rolou mais um pouco e finalmente conseguiu.
O tronco espreguiçou-se.
As mãos encontraram as pernas, estas já tinham as calças vestidas.
O tronco volveu-se num instante e estava de novo em cima das pernas, encaixando perfeitamente.
As mãos uniram-se aos punhos.
Num instante procuraram a cabeça e colocaram-na no sítio perfeito, isto é, em cima do pescoço
– pelo menos para alguns.
Uma cambalhota para trás, por cima da cama, e estava de novo o corpo junto à mesa-de-cabeceira onde permaneceram o café e a torrada.
Os olhos estavam secos, as mãos tinham também parado de chorar, a boca mordiscou a torrada e sentiu o sabor desse adeus desenhado pela manteiga, o café bebeu-se de um trago só.
O corpo acordou e assim começou mais um dia, como muitos outros que viriam e como tantos que já passaram,
com o mesmo acordar.

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